O quadrinista Rafael Coutinho é um artista rico em sua arte. Seus quadrinhos saem do lugar comum. Ele diversifica estilos narrativos sem se prender a nenhum limitador. Seu único objetivo é produzir arte na sua concepção mais ampla, sem fronteiras, sempre experimentando. Algo como um "caldeirão cultural" que pode ser adquirido através do site da Narval Comix que comercializa, além dos quadrinhos, outros itens tais como pôsteres, calendários e toys. A arte de Rafael Coutinho é vigorosa, possui influências nítidas do exercício de técnicas das mais diversas
provenientes das artes plásticas. Abaixo transcrevo um pequeno bate-papo com o artista, uma conversa inserida na agitada e corrida agenda do artista.
Resenhas de Marte: Eu assisti o vídeo com a atriz Vera Holtz. Entendi que seria objetivo da Narval Comix atingir uma demanda de consumidores de arte além do leitor de quadrinhos comerciais. Você pode escrever com suas palavras qual o objetivo da Narval comics?
Rafael Coutinho: O objetivo é apresentar um quadrinho forte, adulto (salvo exceções como a Lola), de autores que atingiram um auto nível de profundidade e maturidade em seus trabalhos, gente com uma visão fora dos padrões do mercado, focados em experimentação de arte e linguagem, ou simplesmente MUITO BONS aos nossos olhos. Focamos em formatos novos, em abrir uma porta pra projetos que não se encaixam nos moldes editoriais praticados no nosso meio, histórias que só poderiam ser lidas em coletâneas independentes, mas que merecem ser vistos separadamente, como o artista realmente as concebeu. Nosso foco é o artista, porque somos uma editora de artistas. Num segundo plano, focamos em achar novas formas de veicular, vender e criar projetos de quadrinhos, sempre junto com os artistas. Acreditamos que o público agradece quando o livro se desdobra em uma experiência, e aposta junto. E nesse sentido, acho que o escopo de alcance aumenta mesmo, sai do nicho.
Resenhas de Marte: Existe uma preocupação em oferecer um produto com fortes influências da arte contemporânea? Principalmente no projeto Ideafixa o que seria da venda de gravuras por assinatura?
Rafael Coutinho: Quando se tem uma editora (pequena ou grande), ampliar o público e encontrar novas formas de custear a produção são reflexões que acompanham o resto sempre. Mas são movimentos que nunca são forçados pra gente, são fruto de quem somos, quem admiramos no meio, dos trabalhos que vemos os artistas fazerem. Sou muito amigo das meninas da Ideafixa, somos parceiros de longa data, trocamos muita figurinha e sonhos. Fazer o projeto de assinaturas com o desdobramento das cartas postadas no site delas foi quase óbvio, assim como o espaço pra divulgação da editora lá. Elas são incríveis e muito generosas, e temos um ritmo de trabalho parecido, gostamos de dedicar nossos dias pensando em ampliar o alcance do meio em geral, projetos que envolvam mais gente, ajudem a mudar a cena.
Resenhas de Marte: Não posso deixar de falar da sua obra Beijo Adolescente... O que ela representa para você, não somente o comercial mas também maturidade profissional?
Rafael Coutinho: O projeto de assinaturas é uma aposta grande aqui. Não só do ponto de vista de linguagem (serigrafia em série feita por quadrinistas), que por si só já vale o esforço, mas também como ampliação do alcance dos projetos. É quase um financiamento coletivo, uma parceria longa com nosso leitor. Encontrar um meio de tranquilizar a todos num processo criativo mais longo: artista, gravador, encadernadora, editora, e por fim o consumidor. Uma experiência que se der certo, pode abrir portas pra outras editoras também, pequenos produtores que compram a briga do artista e passam a fazer parte dessa experiência que mencionei. Daí a importância da informação chegar em quem tem interesse em bancar isso conosco, e da ampliação do alcance do projeto também(Perdão, continuei na pergunta passada). Independente de quem queira, o mais importante pra gente é achar esse sujeito que se encaixe perfeitamente ao mundo do artista, e os custos equilibrados disso também. Cada leitor tem uma realidade e um bolso, e tomamos muito cuidado em montar projetos que se adeguem ao perfil do nosso leitor/consumidor.
Agora vamos pro Beijo:
É meu primeiro e único projeto de longuíssima duração. Cresci lendo Akira, Bone, e mais tardiamente Love and Rockets, Tayio Matsumoto, Manara, Garagem Hermética. Foram histórias que moldaram a forma como encaro quadrinhos, e sempre quis fazer uma série longa. O Beijo é a realização desse desejo, e ainda procuro a medida certa pra ele acontecer. O que tenho conseguido fazer é desse jeito: um capítulo por ano, com financiamento coletivo, com campanha, com um mundo de produtos agregados. Me divirto e me entrego totalmente quando começa, e gostaria de conseguir fazer pelo menos dois por ano.
Resenhas de Marte: Dois por ano seria excelente! Mas antes um por ano com qualidade do que dois por ano sem entrega total do artista no início, meio e fim.
Rafael Coutinho: E agora o universo que criei me absorve por completo, mergulho com muita rapidez quando recomeça. Ainda não chegou naquele ponto angustiante e perfeito onde você quase não precisa fazer força pra saber pra onde vai, porque a história já pede, mas tá quase lá. E é um trabalho que funciona como válvula de escape se comparado aos outros que faço, porque é realmente fantasioso e livre, juvenil, um tanto irresponsável. Posso experimentar bastante, pintar loucamente, não tem direcionamento editorial, é só o que quero que seja.
Resenhas de Marte: Sua influência é muito diversa eu não posso deixar de citar ser filho de Laerte Coutinho... Você gosta de usar crítica social e humor nas suas obras? Na apresentação de Beijo Adolescente no site da Narval (amostra), não deixa de existir uma análise dos grupos sociais, numa espécie de viagem lisérgica... Pode falar a respeito? Você também fala que seu trabalho consome toda a sua força criativa... Tem momentos que você utiliza a crítica social e o humor como seu pai Laerte Coutinho?
Rafael Coutinho: Acho que não, Johannes. Temos visões muito distintas. Ele construiu uma carreira longa com humor e crítica, e desbravou horizontes que dizem respeito às evoluções do trabalho e escolhas dele. Tenho ele como uma grande influência, mas fui por um outro caminho. Nem saberia resumir meu caminho, tem a ver com minha formação em Artes Plásticas e uma busca por narrativas mais longas, projetos editoriais, experimentação de linguagem. Acho que os trabalhos se encostam em alguns momentos, e temos o quadrinho como ponto comum. Trocamos muito material, peço a opinião dele sempre, fazemos trabalhos juntos também. Mas sou de outra época, não fui pro jornal, não faço charge e não tenho o diálogo que ele tem com meus leitores. Não faço tira diária, e nem conseguiria. E "crítica social" e "humor" são termos bem amplos. Acredito que meu trabalho tenha características de crítica e humor, mas nada similares aos trabalhos que ele desenvolve.
A parte lisérgica... no Beijo rola um momento de drogas e videogame, bem viajona. Mas não sei se conversa com o que você juntou. A parte gráfica do Beijo vem mais duma vontade de experimentar novos formatos e tratamentos, um cruzamento entre o teen/pop e o formato de história em quadrinhos.
Resenhas de Marte: É Notório visualizar a influência das artes plásticas e do experimentalismo nas suas obras. A questão lisérgica que mencionei tem a ver também com a arte que você produz
Muito rica em influências diversas. Eu queria que você falasse sobre sua obra Drink. A narrativa muda que você apresenta tem muito a ver com o experimentalismo. O que você procura atingir? Existe um público ávido por este tipo de obra já que a primeira edição esgotou em três semanas? Qual sua visão sobre o sucesso este produto? Seria uma saturação do público pela narrativa trivial procurando expandir horizontes?
Rafael Coutinho: Tento entender o público, mas meu alcance vai até um tanto. Ele muda, se reconfigura, e não quero que ele vire o foco da minha produção, tanto como editor quanto como autor. Ele está aí, sou parte dele, você também. Não sei o que quero como leitor, quero ser surpreendido, mas me entrego quando encontro algo que me fascina. O que nos fascina? Se fosse pra agradar o público, eu apostaria em tudo menos experimentação (rs). Reimprimimos a mil ano passado, e esgotou também, e acho que o MEU público gosta de ideias malucas. O tema foi meu foco principal, um "alcoolismo lúdico", vamos dizer assim. Mas gosto muito de descobrir uma forma de experimentar a linguagem em função da história e projeto. Me dá a clara sensação de estar num outro planeta, com outras regras, e isso é bem excitante. E na mesma medida me cansa rapidamente seguir um caminho que já galguei do ponto de vista e linguagem e narrativa. Simplesmente não consigo, só quando pré-determinei ele desde o começo pra algo longo, aí sigo naquele mundo de regras com prazer, porque sei que vou testar ele até o limite dentro da proposta.
Resenhas de Marte: A arte de Rafael Coutinho é autoral, mas atinge em cheio o coração do público, mesmo quando ele quer produzir sem fronteiras, criativamente falando. Diversificando narrativa, estilo de arte e temas. Unindo artes plásticas e experimentalismo em suas obras, adiquiriu uma identidade própria com objetivos e resultados que o diferem do pai, o consagrado Laerte Coutinho. Mas a arte primorosa está no DNA .
Para quem não conhece ainda o trabalho do moço, assistam o vídeo com Vera Holtz apresentando a Narval Comix.
Abaixo uma pequena amostra da produção de Rafael Coutinho e a transcrição de seu perfil proveniente do site Collective.
Rafael Coutinho é designer, animador, artista plástico e quadrinista. Nascido em São Paulo, tem 30 anos e se formou em Artes Plásticas pela UNESP em 2004. Produziu curtas-metragens como animador e diretor (“Aquele Cara”-2006 e “Ao Vivo”-2008), participou de publicações como quadrinista (“Bang Bang”- ed. Devir-2005, “Contos dos Irmãos Grimm”- ed. Desiderata) e faz ilustrações. Foi integrante do grupo Base-V, produzindo murais, exposições e publicações de arte experimental. Como artista plástico faz pinturas e esculturas para a Galeria Choque Cultural. Em 2010 terminou seu primeiro roteiro de longa-metragem (“Spread” – em parceria com o roteirista Peppe Sifredi) e sua primeira graphic novel “Cachalote” (Ed. Quadrinhos na Cia), em parceria com o escritor Daniel Galera. Em 2011 publicou a minissérie Beijo Adolescente, pelo portal do IG, além de publicá-la impressa de forma independente pelo seu próprio selo, Cachalote. Atualmente trabalha em sua primeira história solo, intitulada “Mensur” – Quadrinhos na Cia, prevista para o final de 2012.
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